sexta-feira, 15 de maio de 2015

CONSELHOS DE PAI


Outro dia meu pai falou assim. Garoto, se você apanhar lá fora e entrar chorando vai levar uma surra aqui dentro também. Você tem que aprender a se defender. Vai virar mariquinhas? Se o garoto for maior que você pegue pau, pedra, o que tiver na frente, mas não venha chorando para casa. Ou fique aqui dentro, não saia mais. E então, vai preferir o quê?

Eu escolhi a rua. Não conseguiria ficar longe dela. Era lá que estavam os meus amigos, o futebol, o pique bandeira, o polícia e ladrão, os carrinhos de rolimã, as bolas de gude, as bicicletas, o pique esconde, o papo descontraído nas calçadas e claro, Ana Paula, Ana Lúcia e Vanessa.

Eu me apaixonava diariamente por uma delas. E até mesmo pelas três simultaneamente. Bastava um olhar, um sorriso ou uma palavra dirigida a mim. Ou nem mesmo isso. Havia dias que bastava uma Maria Chiquinha ou uma flor nos cabelos. Um vento mais forte que lhes soprassem os vestidos, um leve traço de maquiagem no rosto ou simplesmente uma gargalhada. Daí escolhi a rua.

A rua tinha um código todo peculiar e com o tempo você acabava aprendendo como conviver da melhor forma possível. Eu era um dos menores da turma, o segundo na fila indiana da escola e ainda café com leite na brincadeira de carniça devido ao caráter violento que o jogo assumia no seu transcorrer. Não era de arrumar tumulto não, mas quase toda semana tinha algo acontecendo ou por acontecer. Talvez eu fosse meio folgado. E apesar de não gostar de confusão, também não gostava de covardia, principalmente quando era comigo.

Então apanhei, bati, corri, me escondi, recorri a pau, pedra, impropérios e xingamentos, mas não voltei mais chorando para casa. Tomei muito cascudo dos maiores e fui forçado aprender rapidamente como me livrar dessas ameaças à minha integridade física.

Não foram poucas às vezes em que me vi obrigado a pular o muro dos fundos do saudoso Colégio Republicano. Ou que tive de entrar na emergência da Clinica CLIMED para me esconder de possíveis surras que acabariam fazendo com que eu fosse parar lá de qualquer maneira. Ou buscar caminhos alternativos, sempre mais longos, para poder chegar à minha rua na volta para casa. Já fingi de morto, de maluco e de epilético, de tudo o que se possa imaginar para poder me livrar de uma coça.

Fomos todos crescendo e aprendendo que a melhor maneira de se ganhar uma briga é não brigando. Percebemos que isso não nos leva a nada. Só semeamos inimizades e discórdia com esse tipo de comportamento. Homem que é homem não precisa partir para a violência para resolver os seus problemas e as suas diferenças. Falo com ar de sabedoria, trinta anos depois dos acontecimentos acima relatados, para o meu filho mais novo.

Então ele pergunta. Pai, mas se o outro menino já te jurou de morte, já falou para todo mundo que vai te arrebentar e que flamenguista é tudo retardado? Se ele disser, mesmo sabendo que foi a professora quem marcou os lugares, que se você sentar mais um dia do lado da Marcella ele vai dar na tua cara? E se já tem gente até apostando beibleide no recreio, como é que a gente faz?

Passo a mão no queixo pensando calmamente naquela situação, deixo-me levar às lembranças mais remotas da minha juventude e finalizo a sessão educacional com a seguinte orientação.

A sua educação física é futebol, não é? Então, deixa uma bola ficar meio dividida entre vocês dois, dê uma bela de uma porrada nesse mané, diz que se vier para cima vai tomar outra e que futebol é para homem, que ele nunca mais vai ficar tirando onda contigo. E tem mais, vai acabar se tornando o seu melhor amigo, pergunta só aí para o seu tio João, não foi assim com a gente compadre?

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