Outro dia meu pai falou assim.
Garoto, se você apanhar lá fora e entrar chorando vai levar uma surra aqui
dentro também. Você tem que aprender a se defender. Vai virar mariquinhas? Se o
garoto for maior que você pegue pau, pedra, o que tiver na frente, mas não venha
chorando para casa. Ou fique aqui dentro, não saia mais. E então, vai preferir
o quê?
Eu escolhi a rua. Não conseguiria
ficar longe dela. Era lá que estavam os meus amigos, o futebol, o pique
bandeira, o polícia e ladrão, os carrinhos de rolimã, as bolas de gude, as
bicicletas, o pique esconde, o papo descontraído nas calçadas e claro, Ana
Paula, Ana Lúcia e Vanessa.
Eu me apaixonava diariamente por
uma delas. E até mesmo pelas três simultaneamente. Bastava um olhar, um sorriso
ou uma palavra dirigida a mim. Ou nem mesmo isso. Havia dias que bastava uma Maria
Chiquinha ou uma flor nos cabelos. Um vento mais forte que lhes soprassem os
vestidos, um leve traço de maquiagem no rosto ou simplesmente uma gargalhada. Daí
escolhi a rua.
A rua tinha um código todo
peculiar e com o tempo você acabava aprendendo como conviver da melhor forma
possível. Eu era um dos menores da turma, o segundo na fila indiana da escola e
ainda café com leite na brincadeira de carniça devido ao caráter violento que o
jogo assumia no seu transcorrer. Não era de arrumar tumulto não, mas quase toda
semana tinha algo acontecendo ou por acontecer. Talvez eu fosse meio folgado. E
apesar de não gostar de confusão, também não gostava de covardia,
principalmente quando era comigo.
Então apanhei, bati, corri, me
escondi, recorri a pau, pedra, impropérios e xingamentos, mas não voltei mais
chorando para casa. Tomei muito cascudo dos maiores e fui forçado aprender
rapidamente como me livrar dessas ameaças à minha integridade física.
Não foram poucas às vezes em que
me vi obrigado a pular o muro dos fundos do saudoso Colégio Republicano. Ou que
tive de entrar na emergência da Clinica CLIMED para me esconder de possíveis
surras que acabariam fazendo com que eu fosse parar lá de qualquer maneira. Ou
buscar caminhos alternativos, sempre mais longos, para poder chegar à minha rua
na volta para casa. Já fingi de morto, de maluco e de epilético, de tudo o que
se possa imaginar para poder me livrar de uma coça.
Fomos todos crescendo e
aprendendo que a melhor maneira de se ganhar uma briga é não brigando. Percebemos
que isso não nos leva a nada. Só semeamos inimizades e discórdia com esse tipo
de comportamento. Homem que é homem não precisa partir para a violência para
resolver os seus problemas e as suas diferenças. Falo com ar de sabedoria, trinta
anos depois dos acontecimentos acima relatados, para o meu filho mais novo.
Então ele pergunta. Pai, mas se o
outro menino já te jurou de morte, já falou para todo mundo que vai te
arrebentar e que flamenguista é tudo retardado? Se ele disser, mesmo sabendo
que foi a professora quem marcou os lugares, que se você sentar mais um dia do
lado da Marcella ele vai dar na tua cara? E se já tem gente até apostando
beibleide no recreio, como é que a gente faz?
Passo a mão no queixo pensando
calmamente naquela situação, deixo-me levar às lembranças mais remotas da minha
juventude e finalizo a sessão educacional com a seguinte orientação.
A sua educação física é futebol,
não é? Então, deixa uma bola ficar meio dividida entre vocês dois, dê uma bela
de uma porrada nesse mané, diz que se vier para cima vai tomar outra e que
futebol é para homem, que ele nunca mais vai ficar tirando onda contigo. E tem
mais, vai acabar se tornando o seu melhor amigo, pergunta só aí para o seu tio
João, não foi assim com a gente compadre?
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