Meu filho mais velho ficou vários anos dizendo que os acontecimentos mais marcantes da sua jovem vida ocorreram quando ele tinha quatro anos de idade. Dos seis aos doze ele sempre dizia: lembra pai, quando eu tinha quatro anos e a gente foi ao Beto Carreiro? Com quatro anos eu aprendi a nadar. Aos quatro eu me perdi no supermercado. Aprendi a jogar vídeo game com quatro anos. Quando eu tinha quatro anos fiz isso, fiz aquilo e assim por diante.
De fato muitas dessas coisas aconteceram, algumas mais cedo, outras um pouco mais tarde. Mas o que realmente fez com ele se fixasse nesta época e que mexeu definitivamente com aquela cabecinha foi o nascimento da sua irmã. Quando ela nasceu o até então filho único se viu em uma situação completamente diferente e por mais que estivéssemos, eu e a mãe, atentos a isso, muita coisa em nossa rotina teve que mudar fazendo com que as lembranças mais significativas desse período ficassem associadas aos seus quatro anos de idade.
Comigo foi aos nove. Tudo aconteceu na minha infância quando eu tinha nove anos. Meus pais se casaram, levei trinta pontos no joelho com um corte de garrafa de um litro de coca-cola, taquei fogo na casa, mudei de bairro, mudei de escola, descobri os prazeres da masturbação e por aí vai a minha infinita lista de coisas e situações que ilustram o capítulo do nono ano da minha biografia. E assim como o nascimento da irmã foi o marco que inconscientemente fixou a mudança entre duas eras na vida do meu filho, comigo foi o dia do guarda-chuva.
Eram aproximadamente oito horas da manhã do dia 13 de abril de 1980, o segundo domingo do mês. Havíamos acabado de acordar. Eu estava na sala assistindo aos desenhos animados matinais, provavelmente o chato do Gato Felix com a sua invejável mala amarela que se transformava em qualquer coisa que ele queria, quando minha mãe me pediu para ir comprar pão e leite. Fui até a cozinha onde recebi uma nota de um barão, os não saudosos mil cruzeiros, e um guarda-chuva.
Foi neste instante que eu me dei conta que chovia muito, chuva de vento, um verdadeiro dilúvio. Abri o até então simpático objeto inventado para resguardar, proteger e ser amigo do homem nesses momentos de intempéries inclinando-o ao máximo, pois os pingos estavam vindo na horizontal tamanha era a velocidade do vendaval. Eu já possuía uma determinada técnica de utilização. Mantive a parte convexa da lona apontada contra o temporal, segurei o cabo com as duas mãos esmagando o coitado do barão entre os dedos e parti em direção a padaria.
Em nenhum instante me passou pela cabeça que na volta eu teria de me virar com dois pães, um litro de leite, o troco todo em moedas e ainda o diabólico objeto inventado pela mãe do cão. Peguei os pães que estavam embrulhados com aquele papel cinza e amarrados com barbante e os coloquei higienicamente logo abaixo da minha axila esquerda estrategicamente pressionados pelo braço. Numa das mãos as moedas que já queriam escapar por entre os dedos, na outra o molhado e escorregadio saco de leite tipo C da CCPL e as duas juntas seguravam e inclinavam o cabo do meu desafeto contra o cataclismo.
Saí bem da padaria, mas quando fui virar a primeira esquina me distraí e fiquei por alguns milésimos de segundos com a parte côncava do infeliz a favor do vento, o que foi suficiente para fazê-lo me arrastar para o meio da rua. Aficionado nos heróis dos quadrinhos do meu tempo e discípulo do Poderoso Thor, firmei a perna direita na calçada impedindo a sua investida contra mim, mas o covarde ainda tinha um trunfo na manga e sem escrúpulos nenhum, arriscando sua própria integridade física, deixou-se envergar entortando sua estrutura de arame para o lado oposto. Neste momento, os pães que já estavam há algum tempo pegando chuva se partiram ao meio guilhotinados pelo meu sovaco. As moedas, no meio do combate, começaram a cair no bueiro mais próximo e como golpe de misericórdia do destino e da natureza que resolveram de uma vez por todas se unir ao meu feroz oponente, o leite me escorrega da mão se espatifando contra o chão estourando entre os meus pés.
Cheguei em casa sem pão, sem troco, com as pernas sujas de leite e com o guarda-chuva todo quebrado. Deste dia para cá nunca mais usei. Quando chego todo molhado em algum lugar e alguém me questiona, eu apenas afirmo: homem que é homem não usa guarda-chuva. Você já viu alguma foto do Tim Maia chegando, saindo ou não indo a algum show com um guarda-chuva? Ou o Romário e o Edmundo sendo flagrados saindo de uma boate segurando um? John Wayne, Elvis Presley, Frank Sinatra? Daí esse alguém me pergunta. E o Gene Kelly no Cantando na Chuva? Hein? Hein?
E eu não falo mais nada, apenas assobio o famoso tema, I´m singing in the rain, relembrando da maravilhosa e inesquecível cena que começa com um pingo no rosto e termina com ele se desfazendo de uma vez por todas, para sempre, daquele guarda-chuva dos meus nove anos de idade.
De fato muitas dessas coisas aconteceram, algumas mais cedo, outras um pouco mais tarde. Mas o que realmente fez com ele se fixasse nesta época e que mexeu definitivamente com aquela cabecinha foi o nascimento da sua irmã. Quando ela nasceu o até então filho único se viu em uma situação completamente diferente e por mais que estivéssemos, eu e a mãe, atentos a isso, muita coisa em nossa rotina teve que mudar fazendo com que as lembranças mais significativas desse período ficassem associadas aos seus quatro anos de idade.
Comigo foi aos nove. Tudo aconteceu na minha infância quando eu tinha nove anos. Meus pais se casaram, levei trinta pontos no joelho com um corte de garrafa de um litro de coca-cola, taquei fogo na casa, mudei de bairro, mudei de escola, descobri os prazeres da masturbação e por aí vai a minha infinita lista de coisas e situações que ilustram o capítulo do nono ano da minha biografia. E assim como o nascimento da irmã foi o marco que inconscientemente fixou a mudança entre duas eras na vida do meu filho, comigo foi o dia do guarda-chuva.
Eram aproximadamente oito horas da manhã do dia 13 de abril de 1980, o segundo domingo do mês. Havíamos acabado de acordar. Eu estava na sala assistindo aos desenhos animados matinais, provavelmente o chato do Gato Felix com a sua invejável mala amarela que se transformava em qualquer coisa que ele queria, quando minha mãe me pediu para ir comprar pão e leite. Fui até a cozinha onde recebi uma nota de um barão, os não saudosos mil cruzeiros, e um guarda-chuva.
Foi neste instante que eu me dei conta que chovia muito, chuva de vento, um verdadeiro dilúvio. Abri o até então simpático objeto inventado para resguardar, proteger e ser amigo do homem nesses momentos de intempéries inclinando-o ao máximo, pois os pingos estavam vindo na horizontal tamanha era a velocidade do vendaval. Eu já possuía uma determinada técnica de utilização. Mantive a parte convexa da lona apontada contra o temporal, segurei o cabo com as duas mãos esmagando o coitado do barão entre os dedos e parti em direção a padaria.
Em nenhum instante me passou pela cabeça que na volta eu teria de me virar com dois pães, um litro de leite, o troco todo em moedas e ainda o diabólico objeto inventado pela mãe do cão. Peguei os pães que estavam embrulhados com aquele papel cinza e amarrados com barbante e os coloquei higienicamente logo abaixo da minha axila esquerda estrategicamente pressionados pelo braço. Numa das mãos as moedas que já queriam escapar por entre os dedos, na outra o molhado e escorregadio saco de leite tipo C da CCPL e as duas juntas seguravam e inclinavam o cabo do meu desafeto contra o cataclismo.
Saí bem da padaria, mas quando fui virar a primeira esquina me distraí e fiquei por alguns milésimos de segundos com a parte côncava do infeliz a favor do vento, o que foi suficiente para fazê-lo me arrastar para o meio da rua. Aficionado nos heróis dos quadrinhos do meu tempo e discípulo do Poderoso Thor, firmei a perna direita na calçada impedindo a sua investida contra mim, mas o covarde ainda tinha um trunfo na manga e sem escrúpulos nenhum, arriscando sua própria integridade física, deixou-se envergar entortando sua estrutura de arame para o lado oposto. Neste momento, os pães que já estavam há algum tempo pegando chuva se partiram ao meio guilhotinados pelo meu sovaco. As moedas, no meio do combate, começaram a cair no bueiro mais próximo e como golpe de misericórdia do destino e da natureza que resolveram de uma vez por todas se unir ao meu feroz oponente, o leite me escorrega da mão se espatifando contra o chão estourando entre os meus pés.
Cheguei em casa sem pão, sem troco, com as pernas sujas de leite e com o guarda-chuva todo quebrado. Deste dia para cá nunca mais usei. Quando chego todo molhado em algum lugar e alguém me questiona, eu apenas afirmo: homem que é homem não usa guarda-chuva. Você já viu alguma foto do Tim Maia chegando, saindo ou não indo a algum show com um guarda-chuva? Ou o Romário e o Edmundo sendo flagrados saindo de uma boate segurando um? John Wayne, Elvis Presley, Frank Sinatra? Daí esse alguém me pergunta. E o Gene Kelly no Cantando na Chuva? Hein? Hein?
E eu não falo mais nada, apenas assobio o famoso tema, I´m singing in the rain, relembrando da maravilhosa e inesquecível cena que começa com um pingo no rosto e termina com ele se desfazendo de uma vez por todas, para sempre, daquele guarda-chuva dos meus nove anos de idade.
5 comentários:
Beleza de texto que eu já conhecia, mas que ao ser relido tornou a me encantar, parabéns, Nelson!
Meu amor,
Esse texto é um dos meus preferidos. Uma narrativa super leve e engraçada.
Parabéns mais uma vez!
Te amo
Mil beijos
Que bom que postou novamente esse texto!!!
besitosss
Olá Nelson!
Fiquei muito feliz ao ler seu comentário. Muito obrigada! Realmente, concordo com você na questão do guarda-chuva. Não sei até hoje pra que serve apesar do nome tão óbvio. Costumo dizer que não sou de açúcar e que sobreviverei a chuva. Ao menos que eu esteja de escova...hahahaha...
Aqui está uma nova seguidora.
Grande abraço.
Ingrid.
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