sexta-feira, 5 de junho de 2015

O ROSTO DA FILHA

Sentado no banco da praça, chorava quem sabe de fome, perdera o seu sobrenome, atendia por Pedro Cachaça. Ficava rondando o lugar, pedindo um trocado qualquer. Pertences? Só uma colher, pra quando podia almoçar.

Chorava na tarde vazia, motivos tinha de sobra, depois do emprego na obra, perdera também a família. A escola da filha atrasou, a água, o gás e a luz. Pediu clemência a Jesus, pelo pão que o Diabo amassou.

Daí virou andarilho e perdeu na poeira da estrada a fé que já vinha abalada por Deus sangrar mais um filho. E foi seguindo sozinho deixando o passado na rua que a vida também continua mesmo sem ter um caminho.

Um dia chegou por aqui, havia cansado de andar ou então gostou do lugar, no bar pediu parati. Zé Bento foi quem perguntou se ele queira um dinheiro, precisava de um jardineiro, e Pedro sequer hesitou.

Pegou na mão a enxada, capinou o campo e o parquinho, arrancou o mato todinho, fez bonito para a criançada. No outro dia carregava entulho e depois um novo serviço, Pedro era grato por isso, trabalhava sem fazer barulho.

Ganhava o suficiente para comer e se embriagar, mas só depois de trabalhar iniciava esse expediente. Daí virou Pedro Cachaça, o nosso Pedro faz-tudo, um cara à margem do mundo, tornou-se dono da praça.

Mas hoje o Pedro chorava, de certo não era de fome, não lembrava o seu sobrenome, e isso lhe atormentava. Não lembrava quem fora um dia, despiu-se de vez do passado, do homem que foi maltratado, ficara somente a agonia.

Onde antes havia saudade somente um enorme vazio, aquele terreno baldio, deserto virou de verdade. A praça virou uma ilha e Pedro sem embarcação, no naufrágio do seu coração, esquecera o rosto da filha.

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