Meu amor, você percebeu que esta
mancha no seu olho está se alastrando? Levanto-me correndo para olhar no
espelho. Volto meio cabisbaixo. É mesmo. Acho melhor marcar um médico. Amanhã
mesmo vejo isso. Consulta marcada e devidamente registrada na agenda do celular
para não esquecer. Eis que chega o dia.
Como iria ter o rosto examinado
fiz uma barba daquelas de propaganda de aparelho de barbear, onde aparece um
jovem famoso, geralmente atleta, com o abdômen totalmente definido e o rosto já
repleto de creme; daí ele passa o objeto do anúncio na face, retirando o creme
e deixando revelar uma barba incrivelmente bem feita; pois bem, fiz uma dessas.
Cortei-me todo, perdi tanto sangue que cheguei a ficar tonto, mas o resultado
ficou bem semelhante ao do reclame. Só o abdômen que não melhorou muito.
Ao sair do banheiro, lembrei-me
de uma ziquezira que vez por outra aparece na sola do meu pé, mas que nunca me
encorajou muito a marcar uma consulta apenas para tal. Vou aproveitar e mostrar
os pés, pensei, super orgulhoso da minha otimização dermatológica, enquanto
pegava uma meia nova, ainda na embalagem. Não podia fazer feio na frente da
doutora, cogitei até um pouco de talco, mas achei que poderia atrapalhar o
exame.
Cheguei ao consultório com dez
minutos de antecedência, toquei a campainha e fui atendido por uma moça
impecavelmente uniformizada. Aliás, ao entrar, percebi que o ambiente também assim
estava. A sala de espera abrigava no fundo uma mesinha de vidro, apenas com um
laptop que estava sendo utilizado para registrar os dados do cartão do meu
plano de saúde pela secretária que me recebeu, não continha mais nenhum objeto,
nenhum armário ou gavetas para os arquivos de papel ou fichas manuscritas. As
paredes cuidadosamente pintadas com um bege bem clarinho, num tom pastel,
estavam repletas de quadros que nos remetiam a uma paz imensurável, quase igual
a da macieira que fazia sombra para uma vaca pastar lá ao longe, em segundo
plano, numa das telas que retratava como motivo principal uma cerca perfeitamente
construída, com os espaços entre suas estacas milimetricamente medidos à régua.
Aquele ambiente cumpriu o seu papel, me passou tranquilidade, segurança e
confiança no profissional que até então eu ainda não conhecia.
Pontualmente, às oito horas e trinta
minutos, abre-se uma porta da qual sai um rapaz. Com um sorriso muito do amarelo
no rosto e ajeitando a blusa para dentro da calça. O sujeito me faz pensar em herpes
genital, mas isso não é com o urologista? Imediatamente sou convidado a entrar pela
mesma porta, que permanecera aberta e que dava para um corredor que dava para uma
outra sala, a da consulta. Nesta, já se encontrava a dermatologista inserindo
as últimas informações da consulta anterior num laptop semelhante ao da sua
secretária.
Bom dia, senhor Nelson? Gostei
disso, sem nenhum papel sobre a mesa, a doutora já sabia o meu nome. Só ajudava
a aumentar a sensação de total confiança que me invadia desde que cheguei. Em
que podemos lhe ajudar? Também gostei, ela não está sozinha nessa. Doutora, há
alguns dias apareceu esta mancha aqui, apontei, próxima ao meu olho. Hum, hum,
ela balbuciou enquanto digitava. Primeiro
eu pensei que fosse por causa do sol, mas minha esposa percebeu que estava se
alastrando aqui para baixo, apontei novamente. Você teve alguma exposição ao
sol antes dela aparecer? Nada de anormal, o de sempre, caminhada diária para o
trabalho e corridinha nos finais de semana. Hum, hum, mais digitação. Doutora, queria
aproveitar para mostrar umas bolhas que de vez em quando aparecem na sola do
meu pé, estouram e depois ressecam. Elas coçam? Sim, sim, muito, mas depois
somem. Hum, hum, e dá-lhe caracteres.
Estava pensando na sorte que dei em
ter conseguido marcar uma consulta, na própria semana, com uma médica tão
pródiga de suas faculdades mentais, que não precisa nem olhar minhas afecções
de perto para saber o que eu tenho, quando ela se levanta e diz, vamos ali para
que eu possa te examinar. Fiquei mais tranquilo ainda, ela agora vai olhar bem
para ter certeza absoluta do já convicto diagnóstico. Porém, minha calma durou
cerca de cinco segundos, o tempo necessário para me levantar e dar alguns
passos na direção de uma cortina que a médica abriu ao entrar num reservado.
Ali se escondia uma maca hospitalar, devidamente coberta com aquele lençol de
papel, descartável. Então, eu ouvi as palavras firmes da especialista. Você se
importa de ficar de cueca? É que eu gosto de olhar a pele toda.
Instantaneamente e com a mesma
firmeza da pergunta - para não aparentar insegurança, falta de convicção ou medo
de revelar alguma outra enfermidade que não as já mencionadas – respondi que não,
de forma alguma, já desabotoando o cinto e tentando lembrar qual cueca peguei
da gaveta naquela manhã.
Pode pendurar a sua roupa nesta
cadeira e deitar de barriga para cima, com a cabeça para cá, disse-me a jovem
senhora, apontando para a extremidade na qual já se encontrava. Ela se retirou
por alguns segundos, talvez para dar-me um pouco de privacidade no meu streap-tease,
nos quais me despi sem pressa, arrumando cada peça de forma a facilitar o meu
retorno, desvirando-as e dobrando-as ordeiramente sobre a cadeira, tentando
transmitir segurança e naturalidade a mim mesmo, neste meu ato de ficar seminu
na frente de uma estranha.
Deitei-me, e enquanto esperava me
senti um tanto quanto exposto, mas pensei, ora que bobagem, ela é uma
especialista, precisa olhar todo objeto da sua especialidade, ou seja, a pele,
nada mais que isso. Tranquilizei-me.
Ao retornar, a balzaquiana formada
nas faculdades das ciências médicas, encaminha-se direto para o meu rosto,
fazendo-me respirar um pouco mais aliviado. Olha bem para a tal mancha e diz. É
benigno. Fiquei apreensivo, mesmo sendo bom o diagnóstico, a palavra é uma
merda. Eu tenho troço benigno? E bem no meu rosto? Não queria ter nada!
Poderíamos até fazer uma biopsia para confirmar, mas não vejo necessidade. É
mais um sinal seu aparecendo, deve se alastrar mais um pouco e assumir sua
forma definitiva, finalizou.
Não fiquei muito confortável com
aquelas palavras, na verdade desconfiei do resultado da minuciosa análise,
ficando até um pouco inseguro quanto à capacidade da profissional, quando a
mesma, que já havia descido pelo meu corpo examinando os membros superiores,
ordena. Por favor, abra um pouco as suas pernas para eu verificar a virilha. Já
aumentando com as próprias mãos o espaço mínimo e seguro que eu havia deixado
entre as minhas coxas. Pede licença e levanta levemente minha cueca, pegando a
parte que está encostada na virilha esquerda, levando-a até a coxa direita,
deixando as minhas intimidades totalmente expostas. Faz a mesma coisa do outro
lado, mas não toca em nada, apenas olha. Eu, que estava olhando fixamente para
o teto, assim permaneço, até o final do exame.
Ela ainda fala alguma coisa sobre
a pereba do meu pé, que eu nem lembro mais, e diz que eu já posso colocar
minhas roupas. Levanto-me e me visto apressadamente, volto à cadeira que fica
em frente à sua mesa e aguardo. Ela ainda digita mais algumas coisas e
pergunta. E então, vamos marcar a sua biópsia? É realmente necessário, doutora?
Se você não quiser não precisa. Então acho melhor não, doutora. Ela prescreve
uma pomada para curar os meus pés, uma para ajudar a clarear a mancha do meu rosto
e me dá de presente uma amostra grátis e essa crônica.
Acho que vou ter de marcar uma
consulta com aquela dermatologista que só estava disponível para o final de
setembro. Só para o caso da pomadinha não dar resultado.
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