terça-feira, 4 de março de 2008

O MENINO



O menino batucou o dia inteiro e dormiu cantando. Foi a frase proferida pela nossa fiel escudeira Lucimar. Falada e ouvida com explicita satisfação referia-se ao meu filho mais novo, Yuki. O nome foi escolhido devido à descendência nipônica de minha querida esposa, mas como as gerações de rebentos estão surgindo cada vez mais distantes no tempo do oriental país de origem do meu sogro, Kikito se revela como um indivíduo completamente brasileiro.

Nascido no bairro das Laranjeiras, porém flamenguista desde seus primeiros dias intra-uterinos, saiu da maternidade direto para Madureira e já no caminho sofreu o seu primeiro assalto a mão armada, perdendo todas as suas primeiras roupas, fraldas descartáveis e os presentinhos dos amigos que lhe foram visitar. Não se deixou abalar. Conseguiu roupas novas, mais fraldas e muitos outros brinquedos dos quais nunca se permitiu apegar por mais de alguns minutos. Brinca um pouquinho e deixa de lado. Parece que não quer mais se agarrar a esses bens materiais.

O menino gosta mesmo é de balde, panela e lata. Afirma nossa incansável ajudante. As de leite Ninho e Nescau são as preferidas, seguidas das de Mucilon e Farinha Láctea. Batuca o dia inteiro. Qualquer coisa que lhe dêem nas mãos vira instrumento de percussão. Mas se vocês estão pensando que ele pega uma colher ou qualquer outro objeto em forma de haste e começa a bater com movimentos brutos e desordenados, estão muito enganados.

Muito observador, após assistir comigo diversos vídeos de samba durante os seus primeiros meses lá em casa, por vontade própria é bom que seja dito, e quem o conhece sabe disso, o nosso neném pega o objeto em questão e o coloca imediatamente sobre a coxa em forma de tantan, batendo com as mãos alternadamente na tampa plástica, simulando o couro do instrumento, e no corpo da lata, fingindo ser a parte de madeira. E se por algum motivo a tampa se separa do seu original destino vira rapidamente um pandeiro nas mãos do menino.

E foi assim que ao longo do seu primeiro ano ganhou diversos tambores e pandeiros de plástico, desses comprados em lojas de um e noventa e nove, e um belo cavaquinho de brinquedo, feito de madeira e com cordas de aço como nos instrumentos de verdade. Logo nos primeiros momentos que me viu tocando o seu cavaquinho o pediu para si, colocou-o no colo na posição correta e só começou a mexer a mãozinha para baixo e para cima fazendo vibrar as cordas depois que conseguiu que eu lhe desse a palheta que eu estava usando anteriormente.

Já faz algum tempo que o nosso sambista descobriu os instrumentos de verdade lá de casa. Acorda por volta das nove da manhã e desce para comer o seu mingau, não sem antes apertar o play para ouvir o DVD da Teresa Cristina. E assim que toca uma música que ele percebe que pode acompanhar, sai em busca do pandeiro, tantan ou tamborim que já estão a essa altura ao alcance de suas mãos.

Às vezes prefere ele mesmo se acompanhar cantando o babi babi bababa do Pra que pedir perdão, de Aldir Blanc e Moacyr Luz, ou o Oh oh oh oh oh oh do Canto das três raças, de Paulo César Pinheiro, ou o Deixa de Baden e Vinícius. E assim não ligamos muito, na verdade nem um pouco, de o menino já com um ano e seis meses de vida não falar uma frase compreensível sequer, porque homem que é homem é assim mesmo, não fala nadinha ainda, mas já sabe que a palavra cantada é muito mais bonita.


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