quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

ANÁLISE IMPARCIAL

Após uma participação meio tímida na Libertadores de 2007, de onde teve de sair ainda nas oitavas por perder em Montevidéu para o Defensor do Uruguai por 3x0 e vencer no Maracanã por apenas dois gols diante de um público de cerca de 60 mil torcedores e com uma bela atuação de Renato que nos deixou órfãos de meio-campo em julho do mesmo ano quando se transferiu para o AL-Nasr do Emirados Árabes, o Rubro-negro começa a edição 2008 da mesma competição também de forma tímida.
O adversário foi o vice-campeão peruano Coronel Bolognesi. Time jovem e aguerrido que leva para o campo de batalha as palavras do homenageado Coronel Francisco Bolognesi que diante da oferta de rendição na Guerra do Pacífico onde viu seu regimento de 1800 homens cercados por 5300 soldados chilenos proferiu a seguinte frase - Tenho deveres a cumprir aqui e os cumprirei até o último cartucho. – Mais de mil peruanos morreram, inclusive o Bravo Coronel descendente de italianos, que entrou para os livros peruanos de história como herói e inspira até hoje esses bravos jovens atletas da cidade de Tacna.
Mas o fato é que o uniforme principal deste time que já deixou de existir em 1992 para ressurgir das cinzas em 1998 tem a mesma cor vermelha do sangue derramado pelos jovens soldados na fatídica batalha da cidade portuária de Árica em 1880. E foi este vermelho que iniciou a confusão.
Cerveja gelada, filhos deitados em seus respectivos ninhos e jogo começado há cinco minutos quando finalmente tomo o meu lugar na cama após o quinto banho em mais um dia de calor infernal no subúrbio carioca. Minha nipônica esposa começa seu ritual de toda noite: escolha da roupa e sapato que usará para trabalhar no dia seguinte, troca das lentes pelos óculos de leitura, escovação dos dentes, cremes para os pés, para as mãos, para os cantos dos olhos, para as outras partes do rosto e para o resto do corpo, beijos de boa noite em cada um dos três rebentos e tudo isso num entra e sai frenético do nosso quarto de onde tento esboçar alguns urros e chutes no ar ainda desconcentrados por todo este movimento característico das coisinhas de mulher.
E parece que este meu último pensamento foi de alguma maneira erroneamente percebido com um tom pejorativo por minha balzaquiana companheira que passou a olhar com um certo sinistro interesse para mim e para a partida na tela, tudo isso sem parar seus afazeres noturnos, quando pouco antes de se deitar dispara.
- Teu Flamengo não anda muito bem das pernas, não é?
Não dei muita corda, entendi como uma provocação, afinal de contas havíamos começado bem o campeonato carioca e a partida até aquele momento estava muito boa com o Mengão valorizando a posse de bola e tentando algumas investidas contra o bravo adversário. Mas ela continuou.
- Você está achando que eu não estou vendo o sufoco que o teu time está levando?
Rapidamente me recompus na cama.
- Não consegue passar do meio campo e toda hora perde a bola.
Já nervoso virei mais um gole de cerveja.
- Está sem volume de jogo e sem penetração.
Assustado como quem é pego desprevenido recapitulei tudo o que havia assistido até então para me certificar de que não estava vendo o jogo como um torcedor ingênuo que não consegue perceber os movimentos táticos e os aspectos técnicos do jogo e que apenas torce sem compromisso nenhum com a realidade exposta em campo pelo seu time. E foi neste exato momento de austera reflexão que minha imparcial esposa lançou seu golpe fatal.
- Olha lá, mais um passe errado.
Simultaneamente ouvindo-a e fitando a TV num ágil golpe de olhar percebi o Juan recuperando mais uma bola no meio-campo. Perguntei já meio que aliviado e prevendo a resposta. - Quem você acha que é o Flamengo, minha linda? - O de vermelho, não é? Começamos a rir antes mesmo dela terminar a frase, pois ela também percebera naquele momento em que meu rosto descontraia instantaneamente que o rubro-negro da Gávea estava jogando com o uniforme branco naquela noite. Mas sem deixar a peteca cair ainda termina sua análise crítica afirmando que estava entendendo tudo o que acontecera no gramado. O que me deixou muito feliz ao final das contas, pois homem que é homem nunca teria uma companheira que apenas se limita a compreender, sem muito êxito, a regra do impedimento.

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